Nani, cartunista, escritor e roteirista, nascido Ernani Diniz Lucas, em Esmeraldas, interior mineiro, foi um dos criadores mais interessantes que conheci na vida. Avesso a vaidades, como todo gênio real costuma ser, tive a sorte de ser seu parceiro por vários anos, escrevendo o “Sai de Baixo”. Que, inclusive, deve à sua labuta pesada ao lado de Cláudio Paiva a lapidação do material bruto inicial escrito por vários “medalhões” , que permitiu ao programa estrear. (Mas essa é outra narrativa, uma das “histórias ocultas” da Globo, que ninguém fica sabendo e merece um livro.)
Uma cara ímpar, desses que Deus faz e quebra a forma, Nani era tanto um gênio da síntese, como cartunista, quanto um contador de histórias e causos recheados se detalhes cômicos que só sua cabeça lotada de ironia e sagacidade poderia filtrar nas dobras do cotidiano. Muitas delas oriundas da sua vivência em Esmeraldas, que estava para ele, assim como a mítica Macondo estava para Gabriel Garcia Marquez.
Ninguém passava impune a um encontro com o Nani, todo mundo se despedia levando de presente uma idéia, uma história ótima, uma observação cômica e original sobre a vida. Quando o conheci, me senti um sortudo, o cara era um elo com o mítico Pasquim, que eu lia desde a adolescência, para onde colaborou desde 1973, entre outros tantos veículos, com sua preciosa criatividade. Isto sem falar nos seus vários livros bem divertidos como “A Santa no Poleiro”, que merece, no mínimo, um filme ou uma série, além de inúmeras coletâneas de charges e cartuns, revistas e tudo mais o que se possa imaginar, sempre filtrando tudo pela ótica do seu humor afiadíssimo.
Além disso o Nani foi protagonista de um feito assombroso, basta dar um “google” por aí e conferir. Como bom mineiro, durante 50 e poucos anos da sua vida bebeu industrialmente. Resultando na inadiável necessidade de um transplante de fígado salvador. Só que o Nani, que nunca facilitou pras normalidades, acabou recebendo três fígados. O primeiro foi rejeitado (talvez tivesse um passado muito comportado para o organismo intrépido do amigo) e, entre esse e o terceiro, que finalmente valeu, houve um segundo, assumidamente meio recauchutado, que lhe permitiu esperar o definitivo. E o feito digno de Guiness não acaba aí. Entre um e outro, não sei bem qual deles, nosso amigo passou 24 horas sem fígado, o que não sei se é um recorde, mas certamente não é, definitivamente, um feito para os fracos de corpo e espírito.
Mas o melhor disso foi que ele sobreviveu e ainda viveu mais 15 anos enriquecendo nossas vidas com sua companhia e suas idéias sempre originais, extraídas de um dos sensos mais acurados para o Humor com quem eu tive a alegria de conviver.
Infelizmente, num lance que nada teve de engraçado, o queridíssimo amigo acabou sendo mais uma da vítimas da “gripezinha” dos negacionistas, em outubro de 21, já depois da terceira dose da vacina. As comorbidades cultivadas pelo tempo, agravadas pelo transplante, acabaram por fragilizar as defesas e nosso campeão do Humor foi engrossar a lista dos brasileiros fundamentais que a COVID, infelizmente, nos levou.
Pra não terminar isso aqui “pra baixo” peço um tiquinho mais de paciência para alongar um pouco mais o post contando uma maravilhosa história do Nani, que guardo como uma herança preciosa de um mestre e amigo a quem devo muito no aprendizado da nobre Arte do Humor. Lá vai...
Dizia o Nani que um rapaz lá de Esmeraldas, bem apessoado, se formou em Engenharia, conseguiu um emprego e teve que se mudar pra Floripa. Muito gente boa, logo criou um círculo e arrumou uma namoradinha linda, lourinha, olho azul, uma graça. Que ficou totalmente apaixonada pelo Mineirim. Tudo estaria maravilhosamente bem se o nosso amigo não sentisse uma saudade desesperadora de uma compota de goiaba pela qual ele era alucinado desde criança e que só a mãe dele, lá em Esmeraldas, sabia a receita, Falava tanto do doce que a namorada já tinha até se conformado em ser a segunda coisa que ele mais gostava na vida.
Dá-se, então, que, um belo dia, na hora de sair pro trabalho, o Mineirim de Esmeraldas quase teve um colapso. Na portaria tinha uma encomenda da mãe, chegada pelo correio: uma caixa bem embrulhadinha e, dentro dela, um pote da compota tão sonhada ! Mineirim de Esmeraldas ligou na hora pra Namoradinha, gaguejando de ansiedade e emoção. Naquela noite ela ia entender porque ele falava tanto da compota e constatar porque a mesma era, de verdade, a oitava maravilha oculta do mundo. Assim que saísse do trabalho ia buscar a moça em casa e trazê-la pra se deliciarem juntos com a divina obra de arte em forma de doce! Ela ia constatar, finalmente, que não havia exagero nenhum em sua obsessão.
E assim foi. Depois de um dia ansiosíssimo, onde ligou 4 vezes pra Namoradinha pra confirmar o combinado, Mineirim passou na casa da polaquinha linda - que caprichou naquele dia pra não fazer feio diante da rival - e foi direto pra sua, onde o pote da compota reinava em cima da mesa, soberano e intocado feito uma Nossa Senhora do Aleijadinho sobre um altar de Athayde. Era até um sacrilégio comer aquilo suado da rua, por isso Mineirim de Esmeraldas pediu que Namoradinha Linda esperasse um pouco que ele ia, primeiro, tomar um banho e, logo em seguida, os dois iriam desfrutar, juntinhos, daquela maravilha.
Acontece que, assim que Mineirim fechou a porta do banheiro da suite, Namoradinha Linda começou a ter umas idéias sapecas: se o seu amado gostava tanto dela e da compota, por que não juntar as duas coisas? Ela tinha certeza que, desse jeito, seu Mineirim ia se apaixonar de vez e até, quem sabe, pedir sua mão. E não pensou duas vezes: tirou a roupa todinha e, nuinha em pelo, pegou a compota e começou a passar pelo corpo, caprichando nos lugares secretos que sabia que ele gostava mais. Já antevendo o delírio, se deitou na cama e ficou ali, toda lânguida, à espera do seu muso. Não demorou muito , Mineirim de Esmeraldas abre a porta do banheiro, se enxugando, super ansioso e, no susto, dá de cara com aquela lindeza de namorada esparramada no colchão. Bonita feito uma afrodite que, ao invés de uma concha, nascera de um maravilhoso pote da compota de goiaba que a vestia como uma tentação doce e intensamente desejável. Depois de alguns segundos paralisado pela visão quase mítica, Mineirinho de Esmeraldas soltou um grito meio chorado que foi ouvido da Praia da Armação até Jurerê Internacional:
- Nãããão, minha filha! Isso é pra cumê com queijo ! Com queeeijoo!
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(Na imagem uma prova da síntese genial do humor do Nani, num cartum inédito que ele me deu de aniversário, sabendo da minha paixão por Guimarães Rosa. Presumindo que você conheça alguma coisa do “Grande Sertão “ repare na cartucheira de Diadorim.... Esse era o pequeno grande Nani, sagaz, genial, inesquecível.)